quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Doce de abóbora

Aquele foi o dia mais feliz e mais breve da minha vida...
Mesmo que eu não soubesse disso... Aquele dia foi... Não fosse o sangramento desse relato, também seria uma lembrança feliz.
Nunca me tinha visto mais radiante... Encarei-me frente o espelho, vestida de branco, esperando ser levada a você para a benção de Deus.
Aquela manhã foi sentida em cada detalhe, embora eu não entendesse bem porque... Eu senti. Sentia a respiração dos móveis, a textura do ar, o equilíbrio dos sentidos... Senti-me... Como nunca...
Caminhei na tua direção, marcha rápida para o golpe final. Casamo-nos, sem que eu soubesse que outra havia deixado com o coração amargo.
O cheiro das flores se misturava aos venenos e enquanto nos apreciávamos na valsa, nos trouxeram a falsa notícia.
Corre para a casa do teu pai e leva a tua noiva... Vai depressa, que ele não tem muito tempo...
Filho atencioso como era, nos despedimos dos convidados e seguimos a pé na estrada.
- Marcelina. Presta atenção no que eu falarei. Se alguma mulher oferecer-te algo, recusa!
- Porque querido?
- Amei uma mulher antes de ti, que não consegue aceitar perder-me. Escuta isso e obedece.
- Sim. - Inquieta e triste, e respondi. Não esperava que meu amado, pudesse ter amado outra... Mas amou... Amou-a, de certo como ainda não havia me amado.
Caminhamos depressa e não demorou muito, chegamos a casa de meu sogro, que para nosso espanto estava enrolando seu fumo nos dedos, tranquilamente.
Estranhamos... Mas decidimos ficar para jantar a pedido dele e logo depois partir para nossa casa.
Como boa nora, fiz o jantar enquanto você e seu pai se entretiam lá fora. Porque me deixaram só? Porque não estiveram comigo?
Quando a vi, estava lá parada olhando para mim com uma doçura voraz que só agora sei bem, tecendo nos olhos a maldade que me pretendia.
Trazia nas mãos um vasilhame bem apresentável com doce de abóbora. Minha sentença.
Falava baixo e embora estranhasse não a expulsei. Deixei ela se aproximar...
Deixei que seu disfarce me servisse bem...
Deixei que me implantasse a confiança...
E assim, me oferecesse seu doce de abóbora insistente.
Provei... Sem saber que provavá minha morte.
E ela se foi e vocês vieram e eu morria no meu leito de núpcias tão virgem quanto a virgem que se deitava sobre ela para morrer.
Eu disse o que tinha de dizer... É bom ser sucinto nessas horas que não se sabe quantas horas temos.
E você sumiu, num doce de abóbora...
Minha lembrança quis se sustentar em uma casa, em um quarto que não foi meu... Que não experimentou meu cheiro, minha transpiração, minhas virtudes...
Minha lembrança valgou dia e noite em lençóis que não foram meus, porque não me tocaram...
Minha lembrança se esvaiu nas horas do relógio, na parede da casa, que não pôde ser minha, porque não teve meu toque, minha síntese, minha mácula.
Fui. Mas tão presente me fiz em tais lembranças...
Quem me sentenciou sentiu... E anos mais tarde atormentada pela minha inocência, tomou duas doses do mesmo veneno no doce de abóbora.
Coisa que o filho conta... 


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