sábado, 17 de setembro de 2011

Notas...

Nessas últimas horas, reclamamos a ausência de coisas que nunca foram...
Eu seria capaz de perceber o teu brilho diferencial naquela tarde prometendo-se insensível diante de mim.
Escancarada estava a tua mentira!
A noite não mente para seus admiradores e pude vê-la sobre suas cinzas, tecer-me uma mortalha...
Se me perguntassem, eu teria dito que aquele momento foi o único momento de uma vida inteira em que eu me soubesse um risco de vida... 
Não um risco qualquer, mas um risco autêntico, do melhor vinho tinto, o perfume mais sedutor, o melhor traje... A melhor música...
A música...
A minha música!
Pulsante, revigorante, sensível, viajante música a tomar os espaços da minha alma.
E tocava... 
... E tocava...
E em cada nota, vi escapar gotas de todo um sentir divinal e essencial... As palavras jamais caberiam todo aquele sentir...
E sentia.
Tocava.
E tocava e sentia em direções e ordens que não sei... 
... Transpirava...
E toda a sua ação pulsava um resto de mortalidade e transcendia e seduzia e nem me sabia ali nas suas notas... Mas me prendia a cordas de sinestesia que se escreviam no ar autônomas de seu fiel reprodutor...
Elas cantavam as mãos.
Cantavam as vidas.
Dissonavam as mortes.
E tudo era harmônico e vicioso... Muito mais harmônica a vida... 
...
... ... Mais viciosa a morte...
... ... ...
Ousou o artista e caminhou em terras desconhecidas de sua tessitura.
Seduzido amou, foi amado e desamado...
Mas artista não sabe desamar, porque a arte achou viável ensinar-lhe apenas amar...
E ensinou-lhe bem demais. Ensinou-lhe demais.
E quando se viu fora de sua tessitura, em terras que não conheciam a arte, viu-se ser assassinado em cada abraço que não queria ser mais seu...
Em cada gesto que não lhe pertenceria mais...
Soubesse mortal entre mortais. 
Cansado e pronto para dar-se em última obra, o artista cruzou as terras de volta para a casa... Sentado ao piano compôs as suas dores, sem dizer uma palavra... Porque as palavras não caberiam todo aquele sentir...
E colocou nas notas os abraços, os gestos, os perfumes, os gostos, os gozos, os lábios...
Certo de que não se salvaria da tão arriscada obra a que se acometera, findou-se entre o que me pareceu Si bemól, um Dó e um Ré menor.
...
... ...
Mas e os lábios? - pensavam todos. O doído artista não respondeu. Já não vivia aquele corpo e o piano recém "almado" (se assim posso dizer), deixou cantar suas teclas duas miúdas lágrimas suspiradas:
"Mas-o-que-dizer...
Se-os-lábios-que-me-mataram,
foram-os-mesmos-lábios-que-me-amaram?
Mas-porque-não-merecer-sofrer
Depois-de-ter-experimentado-o-que-me salvou?
Provar-da-minha-inquietude-na-inquietude-do-outro
Foi-meu-mal-e-meu-bem."
As notas se calaram em círculos... Caíram no vento, ultrapassaram as gerações, que o artista não conheceria...
Este por sua vez, virou arte... Imortalizou-se na sua mortalidade...
E ao piano, restou tocar para sempre a canção dos amores desamados...

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