terça-feira, 31 de agosto de 2010

Cartas...

Eu olhava para a janela nesta manhã.
Buscava o sol e não era tão fácil.
Então eu o vi passar.
A primeira vez eu não estava preparada, mas depois da primeira vez tudo ficou mais fácil e eu então, passei a aguardar a sua visitar a minha rua.
Primeiro passava sorrateiro levando sempre um pacote nas mãos. "Pequeno pacote".
Depois voltava...
Eu sempre observava, que quando ele ia, parecia levar nos olhos um brilho diferente.
Ao voltar no entanto, estava com os olhos voltados para baixo. Daquele jeito que sempre escondia o brilho que ele antes havia levado.
Aquilo me intrigava, mas eu não tinha coragem de descer as escadas para fazer parar o que quem quer que fosse estava fazendo com ele.
Mais do que eu o esperava passar todas as manhãs para observar seus passos. Ele esperava alguém em todas as manhãs, todas as tardes, todos os dias...
Há três manhãs em que me levantei para mais um dia em que o veria passar frente a minha janela, como de costume, no horário previsto. Ele não veio.
Concordamos eu e a manhã que algo poderia ter acontecido. Não sei porque, senti-me responsável por aquele estranho conhecido...
Não nos conheciamos, penso...
Eu não ultrapassava a porta há anos, mas por algum motivo que poderia ser banal, aquela situação não era...
Agora nevava.
Onde estava o rapaz das cartas?
Não sei. Mas preciso saber. Algo me diz que tenho pouco tempo...
Calcei as botas, cobri-me como pude e fiquei frente a ela, como já não fazia há muito tempo.
Eu e a porta do meu quarto...
Mão na maçaneta. Abri. E o barulho me era familiar ainda. Desci as escadas empoeiradas.
Eu não vi ninguém...
Não via há tempos, tempos...
tempos...
tempos...
Tudo muito empoeirado, muita teia de aranha. 
Eu devia estar adormecida por uns cem anos ou mais. Talvez fosse sobrevivente de alguma guerra, de alguma causa que todos defendem sem saber direito porque. Talvez por causa das cores apenas.
Muita poeira. Pouca luz. Uma vela... Calma, eu ainda desço as escadas e volta e meia entre muita poeira e pouca luz, o rapaz desaparecido das cartas...
Vamos... Discuto com meus pensamentos. Se é que quero saber isso mesmo. E porque quero?
Quando foi que quis sair da minha rotina para saber de alguém que nem conheço?
Deixa pra lá...
Já cheguei aqui.
Sim. A segunda porta. A mais assustadora. Aquela que dava para a saída. Para a rua. Para o outro mundo. Aquele estranho, da guerra que talvez tenha acontecido e que talvez eu tenha sobrevivido.
Vamos. Abra! - Disse um pensamento.
Mão na maçaneta. O barulho ainda me era familiar...
Mas a claridade não. É... "Platão pode ter razão, sobre o mundo lá fora." 
Penso nisso depois, tenho que dar o primeiro passo.
Melhor fechar os olhos e abrir vagarosamente. Eu não sou acostumada a isso.
Abri a porta com medo da dor que isso poderia causar.
Não nos olhos, mas talvez na alma. Esse mundo já não era meu desde que eu havia adormecido, talvez quem sabe... Cem anos.
Não era fácil.
A primeira coisa que vi, foi uma luz forte. Pela primeira vez em anos, o sol me atacava. O sol que eu admirava da janela do meu quarto e que discutia comigo meus pensamentos, devaneios, agorava me punia.
Cobri o rosto e abri os olhos aos poucos. Descobri que a dor entrava pelos meus olhos e possuia meu corpo.
Voltei meus olhos para o chão em busca de refúgio.
Na soleira da porta eu as vi. 
Eram muitas. De diferentes tamanhos. Em diversas proporções. Do tamanho de cada dia e cada esperança.
Eu as reconheci. Eram dele.
O tal rapaz que eu procurava.
Ele sabia de mim...
Peguei-as todas. As cartas. Deixei as rosas. Já haviam definhado...
Fechei a porta. Atravessei a sala. Subi as escadas. Sentei-me frente a escrivaninha. Acendi a luz e as li, uma a uma.

01 de Setembro
Bom dia querida,
Sonhei contigo essa noite. Na verdade foi uma lembrança...
Droga! Gostaria que você se lembrasse... O tempo foi cruel conosco.
Sei que não faço parte mais disso tudo. Não a culpo por isso... Mas não compreendo o que nos aconteceu. Eu sei que você me vê todas as manhãs.
Então escreverei.
Assim, o dia que você acordar. Vai saber que eu nunca desisti de esperá-la.

02 de Setembro
Bom dia querida,
Ontem cheguei cansado. Fui ver se você havia recebido minha carta, mas não.
Ela ainda estava lá. Vou deixar... Um dia vou saber que tive razão.

03 de Setembro
 Bom dia querida,
Me molhei ontem enquanto voltava pra casa. Desculpe a demora.
Amo você! Quando acordar, leia e não se esqueça disso.

04 de Setembro
Bom dia querida,
Ainda estou resfriado, mas minha esperança, mantém meu coração aquecido.
Amo você! Obrigado meu Deus, por isso...

Li três meses de cartas diárias. Eu não entendia, mas sentia.
A última carta, condizia com a data do último dia em que eu o havia visto.

11 de Dezembro
Querida,
Não estou bem. Não gostaria de parar por aqui. Sou obrigado.
Não tenho tempo. Estou pedindo a Deus, para que te desperte antes...
Pelo menos pra você ouvir de mim e saber de mim, que a amo incondicionalmente.
Se Ele me atender. Venha depressa. Não permita que o tempo nos seja ainda mais cruel.

 Eu mal terminara de ler, já me via voltando os passos para a porta, descer as escadas, atravessar a sala, abrir a porta, dessa vez com um medo diferente, medo de perder aquele que nos meus dias era um estranho.
Ousei.
Avistei a luzinha na janela embaçada, suja.
Atravessei a rua. Eu não sabia para onde estava indo, mas algo em mim sabia. Bastava.
Abri a porta devagar. 
- Querida, você veio?
- Sim, eu vim meu anjo. O que aconteceu com você? Conosco? - Eu chorava.
- Não importa. Você veio. Poderei ir em paz.
- Não. Não, depois de tudo o que passamos...
- Por favor, querida escute-me e aceite... Eu a amo!
- Quero você pra sempre!
- Não aqui! Aqui é tarde para nós.
- Não...
- Sim. Mas prometo, por muito tempo esperei que você acordasse. Agora esperarei que durma, para poder entrar nos seus sonhos...
- Leve-me...
- Não... Tenho... que...ir - Senti sua respiração pesar. Nossos olhos se desencontravam, então ele me disse - Boa noite querida...

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