sábado, 9 de abril de 2011

Patologia...

Baixinho, quase inaudível, por trás dos sons da natureza, ela guardava sua voz sempre.
Em uma caixa de ouro, parecia-me.
Andava e levava a todos os lugares a sua caixinha de ouro.
Aos impacientes, o silêncio da menina impacientava.
Aos curiosos, o silêncio castigava, corroía.
Aos pensantes, o silêncio falava gritado demais. Pedia socorro e adormecia dentro da caixinha de ouro.
E assim, a menina ia de terra em terra levando sua caixinha. Foi crescendo, despertando sentimentos diversos nos outros e nunca sentindo nada que não fosse uma dor de peito aberto para dentro, que só queimava nela e só feria a ela...
E a controlava... E a deixava sedenta.
Era estranho e apaixonante ver. Eu tinha medo e pena, mas a ouvia quando ninguém mais.
...
Sim. Conte-me mais...
...
Nos encontramos em uma noite. Abri meus olhos e a vi saltar dos meus sonhos e parar na sombreira da porta do quarto.
Vestia um vestido branco e tinha sempre os cabelos longos castanhos sobre o peito virgem. Ela me olhava com sede e despejava lágrimas dos olhos castanhos, como cascatas.
Assim, nos apaixonamos. 
Ouvindo a sua voz, mas jamais sentindo-a em meus braços, apesar de perceber que ela também desejava isso. Fomos assim, um para o outro muitos anos.
Ela nunca deixava a caixa.
...

Certa noite, ela veio...
Nos sentimos... Já tarde da noite, ela se sentou a beira da cama e me mostrou a caixa.
Mostrou-me. Não abriu.
Abrir era proibido.
Proibido...
Proibido não fosse, talvez não tivesse o efeito que teve sobre mim.
Meu corpo queimou... Eu sabia que não cumpriria com a confiança dela...
Esperei então que ela sorrisse, fosse embora e me deixasse a caixa. Eu estava possuído! Queria saber o que ela levava naquela caixa.
Fiquei só!
Fixei-me no objeto de ouro. Não havia tranca. Pensei por duas vezes na minha pobreza e não resisti... Abri a caixa.
Era monstruoso. Um grito de dor ecoou lá do fundo da caixa e rasgou-me o semblante, acorrentou meu juízo e atrofiou meus sentidos. Eu ouvi apenas a voz agonizante da donzela.
Eu a ouvi por sete longos dias. Vi sua imagem ir e vir refletida no meu pranto esparramado até secar-me, enquanto ela sofria por meus atos.
...
...
Agora não a escuto, não a vejo e não me vejo e não me escuto, apenas quando... quando...
A caixinha sugou meus sentidos. Eu os tenho guardados abaixo dos sons de minha natureza.
Meu silêncio impacienta os impacientes.
Meu silêncio queima os ouvidos dos curiosos.
Meu silêncio grita aos ouvidos dos pensantes.
Mal sabem eles que sofro, uma dor que treme, me deixa sedento...
Sabe doutor, porque sinto isso? Pode me dizer?
...
Quero descobrir. Você ainda a vê ou ouve?
...
Sim... Só não posso mostrá-la para que o senhor não seja condenado ao meu mal.
Ela está sempre comigo. Nos meus sonhos ela grita sempre. Chora e me desespera... E agora, não sei sair desse sonho. Ter pesadelos, me ajuda a encontrá-la. Me ajuda a deixá-la me encontrar...
...
Onde ela está?
...
Aqui... Dentro da caixa... Ela dorme em cinzas...
...
...
...
Deixei-o na sala. Estava mais assustado do que ele, garanto. A família esperava na recepção. Queriam um diagnóstico. Uma solução. Mas que solução?
Fui atravessando o corredor até me ver na sala, cercado de olhares desamparados. Nos olhamos.
...
E então doutor, há alguma coisa que possa ser feita? O que ele tem? Há cura?
...
Bem... Difícil dizer...
...
Fale doutor!! Qual o diagnóstico??
...
...
... ...
É que... Bem, ele acha que foi amado...

2 comentários:

  1. Tem cura doutor? haha
    Sensacional!
    Queria um vocabulário mais extenso para elogiar com mais justiça! :P

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