quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Bolinha de Gude...

As lembranças íam e vinham naqueles dias... Quando a noite chegou abraçando as primaveras, a moça se sentou na varanda e pois-se a lembrar.
Quando criança roubara de seu melhor amigo uma bolinha de gude singular... Eles a haviam encontrado debaixo do grande carvalho, enquanto brincavam no mosteiro.
A menina encantadora, desde cedo, aprendera a usar os artifícios femininos para conquistar o que por ordem do destino não estivesse plenamente ao seu alcance. E bobo, como todos os machos, os pequenos homens, cediam.
A bolinha de gude tem de ser minha... Você não vê, como combina com os meus olhos?
E assim, ela o enfeitiçava...
Naquela ocasião, o menino choroso abriu a mão vagarosa para dar-lhe a tal bolinha e sorriu recolhendo a mão novamente.
- Dou-te a bolinha, se me deres um beijo. - Assustado com o que disse, ele apertou os olhos, esperando ser reprovado grotescamente pela bela menina.
- Não posso beijar-te... Os meus beijos estou colecionando para dar ao meu futuro marido. Só ele! - Respondeu ela sendo docemente venenosa.
- Mas e se for eu, o teu futuro marido? - Questionou ele e fez com que a menina se desmanchasse. A sua armadura de bela e sedutora, havía começado a ruir. Ela não soube dizer e seus artifícios não lhe valeriam nada agora.
O olhar da pequena ficou distante, denso e desigual. Por alguns instantes ela viajou no tempo, saindo de sua infância, passando pela mocidade, chegando a vida adulta e espiando a velhice, mas não conseguiu ver o rosto de seu pretendente e nem reconheceu seus gostos. Houve na menina então, a maior inquietação, pois sua mãe não lhe havia ensinado nada sobre isso.
Quando retornou para a idade em que se encontrava, levantou os olhos e viu de novo a bolinha de gude singular.
- E então?- Perguntou o menino, dando-lhe um estalo de realidade -  Quer a bolinha ou não?
- Me dê ela, que eu te dou o beijo... - Disse maliciosa.
- Se você tomar de mim. Conto para o seu pai, me entendeu? - E a menina sorriu, pegou a bolinha de gude analisou e a beijou docemente. Depois devolveu-a ao menino e disse.
- Tome-a pra você. Está aqui o seu beijo também. - O menino pegou a bolinha derrotado e analisava tristonho, pensando que seu plano não havia dado certo. Então ela completou. - Eu não pude ver no meu futuro, o rosto do meu amado esposo, mas ainda terei muitos beijos para dar a ele, quando ele chegar. Pode ficar com a bolinha, mas agora ela é muito especial. Você não poderá dar a ninguém e se for você o meu esposo, um dia, essa bolinha volta pra mim.
Aquelas palavras tocaram suaves o coração do menino. Talvez fosse uma missão pesada demais, mas ele não voltaria atrás.
Pegou então a bolinha de gude e beijou-a, guardando-a em seguida no bolso de seu paletó.
- Eu vou guardar e vou voltar e quando eu voltar, você vai ter que cumprir o que prometeu! - Disse rindo.
A moça na varanda sorriu com aquela lembrança boba... Ela ainda não havia dado um beijo se quer. Havia guardado todos os beijos em uma vida para aquele que seria seu amado para sempre.
O tempo havia se encarregado de afastar as duas crianças e ela nunca mais soube do menino e da bolinha de gude.
Sozinha, sentada na varanda, ela ria de si e da sua ingenuidade. Havia se tornado tão formosa quanto era quando menina, mas a formosura não pode contra a maldição da bolinha de gude.
Três pretendentes ela rejeitara e todos após a rejeição haviam morrido, sufocados pela falta de amor da moça.
Ela mantinha-se só para a tristeza de seus pais e alegria das más línguas...
Certa tarde resolveu e anunciou na cidade:

"Eu perdi um beijo há muito tempo... Sem ele não posso me comprometer.
Aquele que me trouxer o meu primeiro beijo.
Deverá saber... Que o meu amor sempre foi seu!"

Crente, que o beijo da bolinha de gude, de novo ela teria, a moça aguardava...
Vieram rapazes do mundo todo, traziam as bolinhas de gude mais incríveis. Um príncipe da china trouxe uma que tinha pedaço da lua dentro, um czar trouxe uma bolinha de gude, que continha um pedaço da história de seu povo e a poeira dos pés de Hitler... Mas a moça a todos recusava, pois embora belas... Não era a bolinha de gude que ela procurava.
Um dia já descrente, a moça sentou-se na varanda novamente, os rapazes do mundo todo, ainda aguardavam que sua piedade e generosidade a fizessem olhar para algum deles. Mas ela apenas disse: - Eu sinto muito... Vocês vieram, mas não posso dar-lhes a minha mão, pois ela já foi dada a algum desconhecido, que deve de mim ter se esquecido. Voltem para seus lares, seus países e deixem-me. Não quero ter o que não me pertence. Deverá haver outro amor para vós que os espera ansiosa.
Aquelas palavras provocaram um grande rebuliço. Os rapazes já a tinham como oráculo do amor. Em vez de raiva, eles entenderam as palavras da moça como profecia e obedientes retiraram-se todos, provocando no país onde passavam, grande euforia e tumulto a procura de seus amores. Houveram casamentos em todo o mundo, muitos de uma vez só. Foi preciso que os padres organizassem casamentos comunitários para dar conta de todas as vontade de se casar.
Mas a moça... A moça ficou sentada na varanda, esperando que lhe trouxessem a bolinha de gude singular.
Os dias passaram... Um ano depois, as velhas já se reuniam para mal dizer e rir da moça que não se casava. Primeiro, ela se tornou uma lenda. Depois, se tornou um mito. Por fim, se tornou nada e ninguém mais se lembrava.
Um dia varria a porta de sua casa, um homem de chapéu bem arrojado se aproximou e perguntou.
- Foi a senhorita que perdeu um beijo há muito tempo atrás?
- Sim. Fui eu, mas não acredito que vá encontrar mais...
- A senhorita já desistiu?
- Não queria desistir... Mas tanto tempo...
- É pena... - Então o homem pôs ao lado da moça que já se havia sentado na escada da varanda, um objeto redondo azulado e brilhante. - Eu tinha esperança que a senhorita ainda acreditasse, porque eu sempre tive em mim a crença, de que um dia poderia vir aqui, para dar-lhe isto.
Os olhos da moça, encheram-se de lágrimas, o beijo ali como naquele dia há muitos anos. Pegou a pequena bolinha e a deslumbrou e a amou.
- Bem... Eu guardei, como você me pediu. Agora cumpra o que prometeu...
O rapaz agarrou-lhe pela cintura juntando-a a seu peito e ela sentiu seu cheiro. Seguraram a bolinha de gude juntos. Ela deu-lhe seu beijo e ele lhe deu ou dele.
Nunca mais saíram dali.
Conta a lenda, que os dois não mais se desgrudaram... Em frente a casa onde tudo aconteceu há uma estátua... A bolinha de gude que lá está é a verdadeira e ninguém ousa tocá-la. Pois não querem prender o primeiro beijo em uma bolinha de gude...
Algumas pessoas dizem, que em noites de lua azulada, a estátua ganha vida e pode-se ver o casal, brincando na grama, como os meninos que foram há muitos anos...


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