quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O mar, uma roda gigante, velas e tempestades... De novo Orfeu (Sessão desabafos)

A melhor parte de mim, nem sempre é aquela que me enaltece...
Mas aquela que às vezes, mostra meus furos, minhas faltas e fraquezas...
Querida Anna, sabemos bem que as madrugadas, as lágrimas, aquele sufoco no peito, fazem questão de nos mostrar isso com clareza...
E é nesse aperto, que vão se escoando pelos nossos poros, todas as incertezas, todos os motivos, os tropeços que inicialmente nos levam às madrugadas, lágrimas... sufoco no peito.
É como uma febre... A mesma sensação, eu diria...
Ficamos meio indispostos, a pele arde e desejamos que isso passe logo... Mas o que acontece é que a febre é o sinal, a reação do organismo em defesa de si mesmo... A tentativa de expulsar o que incomoda...
Anna, o que te incomoda?
O que dói?
É de nascença isso... Eu sei... De novo, Orfeu!
Então é isso?
Sempre escolher, sem ser escolhida... E quando escolhida for, ficar a espreita...
"Me tire daqui!" "Faça algo" "Diga" "Silêncio"
O medo tremendo de que o coração possa saltar e falar além do que nosso semblante nos permite sustentar...
Nessa terra de tantas loucuras, parece que amar é como estar em alto mar à deriva...
Mas calma lá... Eu sei que dói... E estar no mar agitado, com esse barquinho a vela que nos foi dado é de dar medo, mas sabe Anna, refleti muito ontem, depois do que conversamos e uma coisa ficou ecoando na minha mente e no meu coração. Acho que você mesma deu-nos a resposta...
"Já passei por isso."
Anna, percebe?
Já passou por isso... Passou e aqui estamos...
Não vim trazer a resposta e nem dar uma de guru espiritual... Mas me veio um alívio enorme por pensar que PASSOU... E sim! Seguimos... Aqui estamos...
Tudo bem... Repetimos o ciclo... Mas se passamos um, porque não passaremos esse?
Assim são as tempestades...
Faz uns dois dias, tem chovido aqui na minha cidade, depois de uns dias de calor insuportável... No primeiro dia, a chuva caiu com tanta força...
Bom, te contar uma coisa, desde criança (tinha colocado "pequena", mas bem... Bom... Entendeu?) penso que a chuva é o choro de Deus... Engraçado, eu sei... Mas não consigo, não ter esse pensamento... É algo meu e talvez seja uma forma de saber que Ele sente todas essas coisas, como nós, também lamenta e espera algo mais dessa humanidade por vezes tão desumana, que Ele escolheu e nem sempre O escolhe... Percebe?
Enfim, o fato é que choveu...
E, em uma noite, a chuva foi forte!
Muitos raios, ventos... A energia acabou...
Minha filha ficou com muito medo, correu e me abraçou. "Mamãe, estou com medo. A chuva vem me pegar." Ainda estava cedo para dormir e não havia muito o que fazer... Ficamos brincando no quarto, à luz de velas... Logo ela dormiu... A chuva passou...
Acordei de madrugada, a energia havia voltado... Olhei pra ela na cama e pensei: "Ela nem viu que o medo foi embora." Bom né?
Pois, não é que a história se repetiu outro dia... E ela novamente correu pra mim e disse: "Mamãe, a chuva não vem me pegar. Ela tá só lá fora. Né?" E passamos mais essa tempestade.
A experiência é algo extremamente interessante... Nunca passamos pela tempestade da mesma forma que passamos pela anterior... Há sempre algo em nós, que nos diz que, por mais parecida que seja essa tempestade, algo em mim mudou a ponto de saber, que vou passar por ela.
Anna, foi o que você me disse ontem... Foi o que refleti... E embora saiba que o seu coração está muito cansado dessas repetições e que uma hora ou outra teremos que sair delas, o que posso dizer é que você está mais forte... Essa nova tempestade, não veio para te pegar, derrubar ou maltratar... Está apenas lá fora... E enquanto estiver, não abra as janelas e portas... Deixe-a lá e mantenha seu lar, seco, límpido...
Outra coisa... Foi na penumbra, na sombra, à luz da vela que me permiti ver com mais cuidado e assim, descobri muito mais nítido que minha filha conseguiria enfrentar seu medo e passar  por ela tão leve... tão bem...
É por isso, que as vezes gosto muito desse silêncio, das coisas pequenas e simples, sabe?
Elas mostram... Elas sussurram... E insistem com a gente... Existe uma doçura nisso e acho que ainda temos que andar alguns caminhos, sobreviver algumas tempestades desse "Escolher, sem ser escolhida", para descobrir porque temos que estar nisso... Nesse ciclo... (suspiro) Anna, eu sei que é aí que dói... E acho que agora temos duas coisas sobre isso... Sabemos que vamos passar! Ok! Mas a mais importante: Todo ciclo tem um início... Um primeiro ato, que nos fez entrar nessa roda gigante da qual não conseguimos descer... Você se recorda? Qual a primeira lembrança de uma escolha que você fez e não foi escolhida?
Se puder, mergulhe nas águas mais profundas de você... Sinto que há algo lá para nos contar... E talvez assim, possamos finalmente descer...

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